Fazia tempo que um longa-metragem ganhava uma adesão popular tão grande como “Barbie” (idem, 2023), parte como consequência do investimento em marketing pela Warner Bros., mas muito também de maneira espontânea. O público abraçou a ideia de se vestir de rosa e postar em redes sociais a associação ao filme, seja de maneira sincera ou apenas pela zoeira, algo que será objeto de estudo na área de Publicidade e que certamente terá retorno nas bilheterias. Mas afinal, o resultado vale tanta repercussão? Sim. E muitos vão torcer o nariz para a mensagem transmitida, o que neste caso, se torna um imenso ponto a favor.

Na história, acompanhamos o dia a dia na Barbielândia, o mundo mágico das Barbies, onde todas as versões da boneca vivem em harmonia. Porém, uma das delas (vivida por Margot Robbie) começa a perceber que talvez sua vida não seja tão perfeita e se questiona sobre o sentido de sua existência. Logo, sua vida no mundo cor-de-rosa começa a mudar e ela parte para o mundo real.

Antes de tudo, é de impressionar que a Mattel, empresa responsável pela boneca mais famosa do mundo, tenha dado o aval para que a primeira versão em live-action tenha sido feita de tal maneira. Mas se tratando de Greta Gerwig na direção, já despertava a curiosidade por algo diferente do trivial dos blockbusters que seguem fórmulas para venderem produtos. Com apenas três longas no currículo, o independente “Nights and Weekends” (2008) e os indicados a prêmios “Lady Bird: A Hora de Voar” (2017) e o remake de “Adoráveis Mulheres” (2019), todos os títulos transmitem mensagens sobre autoaceitação e poderio feminino num mundo cheio de adversidades. Algo que se repete em “Barbie”, mas abraçando o humor e o alcance comercial para desenvolver um universo riquíssimo.

O roteiro de Noah Baumbach (marido de Greta e diretor de longas como “A Lula e a Baleia”, 2005; “Frances Ha”, 2012) trata de utilizar o clichê de um mundo imaginário para inserir várias referências de brinquedos, sendo a versão “estereotipada” (propositalmente assim autointitulada) como protagonista, e diversas outras com diferentes profissões e biotipos, coadjuvantes sem tantos traços definidos e destaque de acordo com a popularidade. Tanto que alguns modelos afirmam terem “saído de linha”. De maneira ainda mais banalizada são retratados os “Kens”, sendo o principal vivido por Ryan Gosling, como meros enfeites.

Mas o que poderia cair numa mera infantilização, ganha tons críticos ao utilizar a metalinguagem, trazendo a Mattel para a história e fazendo graça da busca desenfreada pelo lucro, por mais irônico que possa parecer. No fim das contas, a passagem para o mundo real é uma chance para introduzir os empresários engravatados, apresentados como estúpidos que tentam passar a imagem de modernos e adeptos da diversidade (não à toa Will Farrell foi escolhido para o papel de presidente, numa escalação quase perfeita). Ao mesmo tempo, a mudança de mundos serve para a ilusão de Ken sobre o patriarcado, palavra que é repetida inúmeras vezes, rindo da necessidade de afirmar a tal impressão de superioridade.

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A ironia é presente desde a introdução, quando a diretora faz alusão a “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (1968), cena exibida fora de contexto nos trailers. Na adaptação, o sarcasmo sob a narração em off da vencedora do Oscar, Helen Mirren, em que deixa a entender que “o feminismo está bem resolvido na Barbielândia”, dita o tom da narrativa. São lições importantes e tabus a serem enfrentados diariamente, que passam por questões estéticas e até sobre a morte, mas tocadas de maneira leve que devem garantir muitas risadas da audiência. Afinal, boa parte dos personagens em cena não têm consciência da seriedade do que existe ao redor, não necessariamente por falta de inteligência, mas por falta de acesso a informações.

Greta Gerwig se debruça em cima do vasto material que tem em mãos, com direito a incluir batalhas como números musicais e canções que devem fazer sucesso nos streamings, visto que a violência é uma vertente desconhecida daquele universo. O ridículo é uma ferramenta fundamental para representar a alienação no mundo. E não faltam referências a produções cinematográficas, que passam por “O Poderoso Chefão” (1972), “Monty Python em Busca do Cálice Sagrado” (1975), “Grease – Nos Tempos da Brilhantina” (1978), “Ela é Demais” (1999), “Matrix” (1999), sempre em função da narrativa, nunca como meros pôsteres.

O design de produção, a cargo de Sarah Greenwood, beira a perfeição. A reprodução de cenários que remetem às casas de bonecas, assessórios, figurinos extravagantes, numa dimensão macro em que atores ali interagem, é um grande atrativo. As muitas cores em cena, obviamente com a prevalência do rosa, trazem identidade muito particular à produção. Até mesmo as crianças que não captarem as camadas do roteiros podem sair satisfeitas apenas pelo deslumbre visual. E não existe nenhum problema nisso, já que o cinema é mutável a cada revisita em diferentes fases da vida!

No papel principal, Margot Robbie mais uma vez mostra que é uma das melhores atrizes da atual geração. Pode até ser uma escolha óbvia pela semelhança com a boneca Barbie original, mas ela tira de letra a profundidade que a personagem ganha. De início, ela pode transparecer apenas beleza física ou alguém com expressões congeladas. Mas a atriz compreende o drama existente na responsabilidade que o ícone tem para fazer a transformação e estimular outras mulheres. Obviamente, não sem antes ter a natural crise existencial.

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Ryan Gosling dá um show no papel de Ken, alguém extremamente orgulhoso, mas que não consegue esconder as inseguranças nem mesmo quando parece que virou o jogo, pois ele nunca parece saber o seu real papel naquela vida tão complexa. Ele canta e dança com a tranquilidade de quem se preocupa com uma seriedade que nunca condiz com a realidade, numa atuação até mais convincente do que no ótimo “La La Land: Cantando Estações” (2016), visto que ele parece bem mais à vontade.

Do restante do elenco, destaque para Kate McKinnon, que sabe utilizar todo o background na comédia para fazer da “Barbie excêntrica” um reflexo de tantas bonecas que foram pintadas e dobradas por crianças reais. America Ferrera cumpre bem o papel da mulher “do lado de fora” que teve a Barbie como influência, essencial para ressaltar o legado entre gerações, com direito a um emocionante monólogo. Vale a citação para Michael Cera, que no papel do Allan, se encaixa como uma luva com seu costumeiro ar bobo e deslocado, conseguindo ser um diferencial em meio a tantos Kens.

No fim das contas, “Barbie” consegue ir além de um objeto para os pais que gastam dinheiro para agradar as crianças. Não deixa de ser um proveito da Mattel, que trata de tirar sarro da própria hipocrisia, visto que vai lucrar bastante com o sucesso da adaptação e deixa bem explícito no texto. Mas conferirmos um tsunami de popularidade que “foge da caixa” já tem muito valor!

Confiram o trailer de “Barbie”:

By Don

Crítico, Nerd, Gamer que sabe que a verdade está lá fora. Viciado em séries, cinema e cultura pop em geral. Diretor de dois curtas metragens mas que hoje prefere atuar nos bastidores. Sonha em um dia visitar Hogwarts e o Condado e deseja que a força esteja sempre com você.

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