Christopher Nolan é uma figura peculiar de Hollywood. Ao mesmo tempo em que conquistou uma legião de fãs com obras incríveis como “Amnésia” (2000), “Batman – O Cavaleiro das Trevas” (2009) e “A Origem” (2010), dividiu opiniões com trabalhos mais recentes como “Interestelar” (2014) e “Tenet” (2020). Neste último, bateu o pé para que seu filme fosse lançado nos cinemas no meio da pandemia e se desligou da Warner Bros. por conta dos lançamentos quase simultâneos em streaming. Agora sob a batuta da Universal Pictures, ganhou notícias sobre a megalomania em busca da reprodução hiperealista de “Oppenheimer” (2023). Goste dele ou não, o longa mostra que o cineasta consegue imprimir a própria identidade como poucos na atualidade.

A trama é ambientada na Segunda Guerra Mundial, acompanhando a vida de J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy), físico teórico da Universidade da Califórnia e diretor do Laboratório de Los Alamos durante o Projeto Manhattan, que tinha a missão de projetar e construir as primeiras bombas atômicas. Junto a outros cientistas e militares, o trabalho culmina na arma nuclear responsável pelas tragédias nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, em 1945.

Não tem como negar que “Oppenheimer” elevou a própria popularidade com o marketing espontâneo por conta do lançamento na mesma data de “Barbie” (que por sinal, é da Warner, ex-casa do Nolan). O fenômeno “Barbieheimer” é algo a ser lembrado daqui a muitos anos! Mas muita gente pode ter sido pega desprevenida com uma narrativa de três horas de duração sobre um evento histórico, com diálogos técnicos quase que ininterruptos e prevalência da ausência de cores. Ainda assim, o efeito da imersão é algo pouco visto até então, principalmente para o gênero drama.

Se o fato de o diretor não facilitar a vida para o espectador é um vício que algumas vezes pesou contra, neste projeto ele escapa de apresentar mais uma história protocolar com o forte risco de tendência para o mau gosto, afinal, se trata da cinebiografia do cara que criou a arma que dizimou a vida de centenas de milhares de pessoas. Para isso, a condução não linear, intercalando entre depoimentos, motivações diversas e consequências da tragédia deixam quem assiste preso a um ritmo sempre frenético.

Pode confundir pela não obviedade e até deixa pistas falsas na condução, como ao induzir que as cenas em preto e branco são situadas no presente, o que não corresponde, visto que o julgamento envolvendo o protagonista numa pequena sala decorre desde o início, em cores. Só mais adiante compreendemos se tratar de um outro ponto de vista, o do personagem Lewis Strauss. Se trata de uma ferramenta funcional ao criar um quebra cabeça diante da imensidão de valores envolvidos num contexto tão pesado.

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Não se trata de um filme sobre a bomba atômica, mas sobre o seu criador. O roteiro do próprio Christopher, baseado no livro de Kai Bird e Martin Sherwin, trata de não “passar o pano”, mas aprofundar o lado humano num cenário em que a mais alta prateleira de gênios do mundo estava engajada em algo de proporção fatal nunca vista, rodeada de políticos e militares com interesses que claramente não são dignos de glória. Nunca se tratou de patriotismo. E o peso do sangue nas mãos também têm medidas distintas, algo que é retratado de maneira direta através de um diálogo com a maior autoridade de um país, ou simplesmente, olhando para uma poça de água.

Obviamente existia a expectativa para o momento do teste da “Experiência Trinity” após tanta divulgação sobre a obsessão do autor em utilizar efeitos práticos para soar o mais realista possível. O rolo de filme em Imax 70mm (o Imax Digital tradicional é de 35mm), com 272kg e 17,7km de comprimento rendeu até piadas sobre a necessidade de autoafirmação. Mas, no fim das contas, a definição de “assistir a um 3D sem os óculos” faz sentido, mesmo que apenas 30 cinemas no mundo sejam capazes de reproduzir o formato original e o Brasil não está incluído. Provavelmente nunca iremos conferir a versão idealizada pelo criador.

A tensão até a contagem regressiva trata de preparar a audiência, que recebe o devido impacto, deslumbre de imagens que chegam a arder os olhos. Algo que poderia soar fútil nas mãos de um diretor que não soubesse usar de tais artimanhas em favor da narrativa. Mas se engana quem for aos cinemas esperando por um show de explosões. O grande triunfo do realizador é utilizar da tecnologia até em momentos minimalistas para captar a carga que existe em cena, ainda que diante dos olhos pareçam apenas conversas. Para isso, trilha sonora de Ludwig Göransson (de “The Mandalorian” e “Tenet”), alternando tons de música clássica, trata de mastigar o cérebro a cada segundo, causando a devida agonia.

Com um elenco repleto de nomes famosos, muitos deles em pequenas pontas (possivelmente porque enxergaram o valor de participar de um projeto de tal dimensão), é impossível não destacar o trabalho de Cillian Murphy, presente em mais de 90% da projeção. Bem mais magro do que de costume, o ator capta ali o excêntrico, o infiel, a mente brilhante que busca pelo avanço científico, mas também a perturbação e culpa de quem se tornou a personificação de um genocídio. Praticamente garantido na temporada de indicações a prêmios, todo o reconhecimento será merecido.

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Igualmente admirável é a performance de Robert Downey Jr. como Lewis Strauss, em nada lembrando os trabalhos como Tony Stark do universo Marvel em que ficou muito marcado. A maquiagem de envelhecimento é funcional, mas o ator brilha ao inserir o caráter duvidoso, sarcarso e a audácia de um bom jogador dentro dos próprios princípios. Matt Damon também está competente como Leslie Groves, o militar por trás de toda a operação que necessita do pragmatismo para manter o seguimento da operação e até a falta de transparência de algo obscuro.

É de lamentar que o roteiro desenvolva pouco as personagens femininas, se restringindo aos arquétipos de parceiras que ficam de escanteio (muitas vezes, literalmente, nos planos na sala do julgamento) na vida do personagem principal. Emily Blunt atribui o drama e força a Kitty Oppenheimer, sempre disposta a apoiar o marido apesar das adversidades, mas o mérito é bem maior da atriz do que do texto. No caso de Florence Pugh, uma das melhores atrizes da atual geração, fica ainda mais restrita ao papel da amante, que certamente tinha mais camadas a serem exploradas.

“Oppenheimer” tem um raro poder de criar uma conexão entre espectador e narrativa, fruto da habilidade do diretor para tal. As críticas sobre as suas ambições e até questionamentos éticos são válidos, o que leva a um estranho paralelo sobre os personagens retratados. E apesar de tudo, Christopher Nolan entrega cinema em sua máxima potência!

Confiram o trailer de “Oppenheimer”:

By Don

Crítico, Nerd, Gamer que sabe que a verdade está lá fora. Viciado em séries, cinema e cultura pop em geral. Diretor de dois curtas metragens mas que hoje prefere atuar nos bastidores. Sonha em um dia visitar Hogwarts e o Condado e deseja que a força esteja sempre com você.

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