Com o sucesso estrondoso de The Office (versão estadunidense), que continua tendo uma grande base de fãs mesmo tendo exibido seu último episódio em 2013, criou-se um grande apetite por séries em formatos parecidos que também alcançaram muito sucesso, como Parks and Recreation, It’s Always Sunny in Philadelphia e Brooklyn 99. A própria The Office de Michael Scott surgiu como adaptação pelo grande sucesso da versão original britânica.
A premissa é tão querida que recentemente, ganhou sua versão australiana. Mas com tantas versões, variantes e outros formatos similares, será que ainda tem espaço para originalidade na saga sobre rotina e acontecimentos absurdos no trabalho?
Os Aspones, série de 2004 criada por Fernanda Young, prova que sim. Mais que isso: o texto de Fernanda é indiscutivelmente atual, e indiscutivelmente brasileiro. Num dos países conhecidos por ter uma das burocracias mais complicadas do mundo, Os Aspones mostra a rotina de funcionários da burocracia: uma repartição do Governo Federal em que simplesmente não há nada para fazer.
Atormentado pela falta de utilidade do departamento, o novo chefe pensa numa solução para agradar gregos e troianos: fazer uso da burocracia para atazanar a vida de cidadãos “com culpa no cartório”, e assim, manter o emprego de todos e matar o tempo até o fim do expediente.
Quem nunca precisou resolver um problema de documentação e se deparou com um funcionário que parecia dificultar tudo e inventar mil impecilhos? Estes são os funcionários do FMDO, os famosos Assessores de Porcaria Nenhuma.
O nome vem de uma gíria justamente para os funcionários cuja função é não fazer nada. Infelizmente, a série conta com apenas uma temporada (uma das chamadas “minisséries” que a Globo produzia bastante na época).
O elenco conta com nomes de peso como Selton Mello, Marisa Orth, Andréa Beltrão, Drica Moraes e Pedro Paulo Rangel, e cada episódio conta com participações especiais.
A série brasileira tem o mesmo humor de constrangimento que faz nosso corpo encolher de tanta vergonha alheia. O mesmo chefe sem noção, mas com esquisitices próprias. E funcionários cansados, lerdos e impacientes, mas cada um com jeitos únicos.
E ela vai além: Os Aspones usa de piadas utilizando jogos de palavras e linguagem abreviada para piadas de duplo sentido nos memorandos, que rende novas situações catastróficas a cada episódio … É tudo muito absurdo, mas à sua própria maneira. Ao mesmo tempo em que mantém a temática inicial de problemas no escritório, a série também introduz temáticas brasileiras, como a cultura de “dar um jeitinho”, a tendência à corrupção em todos os setores imagináveis, a mania de sempre querer tirar alguma vantagem de alguma forma, etc.
Você consegue enxergar a semelhança com The Office, mas a série nunca fica à sombra da versão de Michael Scott, você não fica cansado e definitivamente não consegue prever o que vai acontecer a seguir.
Acredito que esse foi o erro da versão australiana de The Office: teve muito pouco de ‘adaptação’, realmente. A mudança mais significativa foi a temática de home office, mas isso não diz nada sobre os australianos, já que o debate é mundial devido ao Covid-19. Desde o início, não tem nada que te diga que aquela é uma série que acontece na do outro lado do mundo, nada intrinsecamente de lá. Parece só uma versão estadunidense com gêneros invertidos.
Os Aspones, por outro lado, é intrinsecamente brasileira. E continua extremamente divertida, mesmo 20 anos depois. Assim como muitas outras obras da criadora. Esse é um de seus maiores trunfos: conseguir fazer obras que são, ao mesmo tempo, um reflexo de seu tempo e que o ultrapassam.
Como um dos personagens diz “é assim em todos os escritórios do Brasil“, e é mesmo. Os de 2004 e os de hoje.
Você pode assistir a Os Aspones gratuitamente no site do Globoplay, sem assinatura.
É importante fazer como a própria Globo e adicionar um disclaimer: por ser uma série de 20 anos atrás, tem sim um ou outro ponto condenável no roteiro. É preciso consumir a obra sabendo que reflete a sociedade de 20 anos atrás.
Uma enciclopédia humana de comédias românticas. Tenho gosto musical duvidoso e gosto de fingir que estou em um talk show enquanto lavo a louça. Quando não estou assistindo a filmes, estou fazendo miniaturas deles.