Eu quero que você seja sua melhor versão” “E se essa já for a minha melhor versão?” – Lady Bird
As relações parentais são muito importantes na formação da personalidade e visão de mundo das pessoas. O modo de criação dos nossos pais influencia nosso comportamento por muitos anos, às vezes durante toda a vida. E, justamente por sua complexidade e papel, existem muitas obras que retratam essa relação.
Algumas relações parentais são mais serenas, outras mais conturbadas. Mas a maioria perpassa pelos mesmos dilemas, na ficção ou na vida real: a síndrome do ninho vazio, conflito geracional, o espelhamento de expectativas próprias nos filhos, as dificuldades de comunicação, a vontade de poupar os filhos do sofrimento (mesmo que isso signifique privá-lo de experiências), a distância emocional da adolescência ou de pais que trabalham muito, negligência, etc.
Por isso, listamos abaixo alguns filmes que retratam esses temas e que possuem uma coisa em comum: todos eles nos lembram que também é a primeira vez dos nossos pais vivendo. E que como nós, eles também não tem um manual de instrução.
- Lady Bird (2017):
O filme Lady Bird, estrelado por Saoirse Ronan, retrata uma dinâmica muito comum em relações maternas: a dicotomia entre não querer ser como a mãe e, ao mesmo tempo, ansiar desesperadamente pela validação dela. Em relações assim, muitas vezes há um desequilíbrio de expectativas e uma crise de identidade que pode minar a relação mãe-e-filha.
- Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022):
Outro filme que aborda a necessidade de validação e de corresponder a expectativas, mesmo quando você sabe que no fundo as expectativas da outra pessoa não te fazem feliz. Ao mesmo tempo, esta é uma das obras que mostram bem os dois lados; porque você entende que as ações desvairadas da protagonista vem de tentar evitar que a filha seja do mesmo jeito e cometa os mesmos erros que a fizeram sofrer tanto, mesmo que as ações em si sejam condenáveis. É um daqueles filmes que te emocionam do começo ao fim, e mudam um pouco a forma como encaramos os pais.
TELAMT, entre muitos outros temas, também é sobre pais que veem os filhos como um tipo de extensão de si mesmos, como uma ‘nova chance’. E o processo de perceber que eles não são versões potencialmente melhores dos pais, são apenas outros indivíduos.
- Cisne Negro (2010):
O desejo de validação aqui é levado à quinta potência, assim como a angústia de querer fazer de tudo para dar orgulho para os pais, como se fosse mais que um querer, um dever mesmo. Ser alguém de quem seus pais possam se orgulhar; alcançar grandes conquistas como o único meio de eles sentirem esse orgulho. Mesmo que você fique exausto, drenado, mesmo que a aprovação custe tudo de você.
O tema de pais enxergarem filhos como uma nova chance de alcançarem o que eles não conseguiram também é explorado, assim como a dificuldade de formar uma identidade e se reconhecer para além de um reflexo. Neste tipo de relação, os filhos tendem a sentir que devem algo aos pais, especialmente se eles, como Nina, engravidaram cedo ou tiveram algum sonho interrompido pela gravidez.
- Sexta-feira Muito Louca (2003):
Embora seja uma comédia, o conflito geracional e a sensação de que há uma parede entre mãe e filha é explorada, mesmo que de um jeito leve. É um filme do tipo “cura onde dói”. O ego adolescente é retratado de um jeito consciente, mas com uma dose de empatia também. Quem nunca foi jovem e meio egoísta, né? Faz parte. Além da dinâmica de coisas que não dizemos entre mãe e filha, também temos a relação entre Anna (Lindsay Lohan) e seu irmãozinho. Os dois esbanjam sintonia caótica e representam a guerra fria de irmãos muito bem.
- Dr. Estranho no Multiverso da Loucura (2022)
Até onde você iria por achar que está fazendo o melhor para os seus filhos? Dr. Estranho no Multiverso da Loucura é um filme bem emocionante sobre este dilema da maternidade, vivido por Wanda, mesmo que supostamente o Dr. Estranho seja o protagonista. De um lado, está a experiência dos que vieram antes de nós e a vontade de protegê-los (mesmo que isso signifique privá-los de experiências); do outro, está o fato de que cada pessoa merece as próprias escolhas (mesmo quando acabam sendo as erradas no fim). O filme explora, através da Wanda, as coisas terríveis que somos capazes de fazer com nossos filhos, mesmo tendo a melhor das intenções.
- Que Horas Ela Volta? (2015)
O filme protagonizado por Regina Casé aborda, também, vários temas como: meritocracia, relações de trabalho, desigualdade social, a relação parental que uma empregada doméstica e babá acaba desempenhando em famílias negligentes; mas também aborda a ausência de uma mãe que sacrifica a presença na vida da filha para poder sustentá-la. É uma mãe que precisa trabalhar até a exaustão e abdicar de experiências essenciais da própria maternidade enquanto acaba criando o filho dos patrões.
De um outro lado, também mostra o ressentimento que paira na relação com a filha quando finalmente se encontram, tanto em relação Val quanto em relação a Fabinho, já que ele (mesmo sem culpa), recebeu de Val todo o amor e apoio que ela nunca pôde receber.
- De Onde Eu Te Vejo (2022)
Denise Fraga e Domingos Montagner nos lembrando de que nossos pais também são gente. E que são gente antes de serem pais. E também estão confusos tentando navegar a vida e aprendendo a cada dia. De onde eu te vejo é uma história de amor em que cabem muitas outras: como o ninho vazio depois que os filhos vão para a faculdade, a sensação de não ser mais ‘necessário’. E também o sentimento de evolução constante que faz com que sempre estejamos atrasados e sem tempo, como se fôssemos engolidos pelo progresso e a rotina, etc. Além de o cotidiano distanciar as pessoas que amamos da gente, por mais que estejam sob o mesmo teto.
- Aftersun (2022)
Aftersun foi o meu filme favorito de 2022, e acredito que ele oferece muitas camadas interessantes. Um dos aspectos mais marcantes é a maneira como a diretora Charlotte Wells contrapõe o digital e os 35mm usados na rodagem para criar uma representação simbólica e poética da memória. O filme, mesmo parecendo contido em sua proposta, revela sua imensa força nos detalhes.
Esses detalhes aparecem principalmente na forma como Sophie percebe seu pai. São memórias — muitas vezes fragmentadas, confusas — que, quando revisitadas, evocam sentimentos ambíguos. Aftersun explora magistralmente essa complexidade, mostrando o amadurecimento de Sophie e como, agora adulta, ela ressignifica a viagem que viveu na infância.
No final, pouco importa o que de fato aconteceu. O que permanece é a essência: o amor e a brevidade da vida. É apenas no momento em que algo se encerra que percebemos sua transitoriedade. E o cinema, de maneira única e profundamente poética, nos lembra como as memórias podem nos reaproximar de experiências e nos oferecer novas perspectivas sobre o passado.
- Interstellar (2014)
Tem poucas coisas mais inquietantes na vida do que não ter um desfecho, de alguma forma. Em Interstellar, vemos uma corrida entre pai e filha tentando se conectar, mas sempre estando inalcançáveis. Este filme é sobre a falta, o espaço que fica para sempre na vida de uma pessoa quando a outra se vai, seja por falecimento, negligência ou abandono. Nessa falta, você sempre imagina o que poderia ter sido e não foi, as coisas que ficaram sem explicação; a agonia de não saber o que aconteceu.
Nos casos de negligência, por exemplo, temos um cenário bem comum dos pais que precisam trabalhar muito para sustentar os filhos e tentar oferecer oportunidades melhores para eles: mas este objetivo tem um custo, da mesma forma que teve em Que Horas Ela Volta?. E o custo é se tornar um fantasma na vida da criança, que mesmo adulta, é capaz de sentir a ausência. Por mais que já esteja acostumada.
Mas apesar de tudo, Interstellar também é uma história sobre o amor, persistindo. E esperando, mesmo contra todas as expectativas.
Quantos destes filmes você já assistiu? E qual deles mais te emocionou?
Esta matéria foi feita em parceria com Luiz Henrique Alves, da redação.
Uma enciclopédia humana de comédias românticas. Tenho gosto musical duvidoso e gosto de fingir que estou em um talk show enquanto lavo a louça. Quando não estou assistindo a filmes, estou fazendo miniaturas deles.