Terror é, possivelmente, o gênero que tem o número mais alto de produções lançadas anualmente. Por isso, chama a atenção quando longas se destacam pela diferenciação, casos de “A Bruxa” (The Witch, 2016) e “Hereditário” (Hereditary, 2018). Num ano pouco dinâmico, “Fale Comigo” (Talk to Me, 2023) deu o que falar até mesmo antes da estreia, muito por conta do selo da A24 (que neste caso, atuou apenas na distribuição). E a expectativa foi justificada com um filme repleto de bons valores e um olhar especial de cineastas estreantes.

Na trama, um grupo de amigos encontra uma misteriosa mão embalsamada que permite invocar espíritos. Como é de se esperar, todos ficam muito empolgados com a nova descoberta, mas não demora muito até que a brincadeira tome um rumo extremamente perigoso.

A dupla Danny Philippou e Michael Philippou ganhou certo destaque ao produzir vídeos com situações inusitadas para o Youtube. Mas gravar um longa-metragem é um buraco bem mais profundo, tanto que a primeira investida contou com um enxuto orçamento de U$ 4,5 milhões. Mas o que eles se atrevem, acertam de maneira admirável: história simples, elenco desconhecido de muito valor, efeitos especiais pontuais para situações que trazem peso à narrativa. Sustos baratos não integram o repertório.

Visto que o terror funciona em grande parte pelo choque no espectador, os irmãos Philippou sabem construir a artimanha em momentos precisos, mesmo com uma cena de impacto logo nos minutos iniciais. Os poucos jump-scares presentes surgem acompanhados do ótimo trabalho de maquiagem, com elementos que agregam à trama. O cinema está saturado de pesadelos que pregam pegadinhas! E quando o suspense vai sendo construído de maneira gradual, a direção entrega uma sequência de violência extrema que alcança o objetivo de provocar agonia.

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O roteiro dos estreantes Danny Philippou, Bill Hinzman e Daley Pearson utiliza um esqueleto com muitos clichês do gênero: um artefato que atrai espíritos (que poderia perfeitamente ser mais um tabuleiro de Ouija), jovens cometendo uma estupidez atrás da outra, possessões. Mas a execução foge do óbvio, conferindo uma visão criativa sobre o mundo do além e analogias interessantes, como a diversão com a mão embalsamada se assemelhar ao uso de drogas (momentos de êxtase, dependência e consequências).

O luto da personagem Mia não é uma mera muleta, pois a figura que passa a assombrá-la traz diferentes camadas para o estado psicológico da personagem, além de abrir margem para diferentes interpretações diante dos desdobramentos. Não recai em diálogos expositivos, permitindo a reflexão ao final da projeção. Nem mesmo há explicações sobre a origem da tal mão, o que poderia render tempo desnecessário, visto que o misticismo sobre o poder dela já basta para prender a atenção.

A retratação do mundo dos mortos utiliza um eficiente CGI para provocar incômodo, sem necessitar mostrar muito. Para quem tem pelo menos curiosidade sobre o tema “vida após a morte”, certamente vai identificar significados no uso de velas, intenções questionáveis de seres obsessores. Algo como “O Sento Sentido” (The Sixth Sense, 1999) fez há quase 25 anos, alguns espectadores podem temer ficar com a luz apagada após a experiência.

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Sophie Wilde é uma grata revelação, num complexo personagem principal que exige mais do que caras e bocas de espanto e transformação em pontos específicos (algo que, diga-se de passagem, ela faz muito bem). Ela comete uma série de atitudes questionáveis, a ponto de causar indignação, mas as suas motivações são bem compreensíveis. Além dela, o jovem Joe Bird imprime uma mistura de inocência e ousadia, além de uma entrega impressionante em cenas fortes.

Com retorno positivo nas bilheterias, “Fale Comigo” dá início a uma franquia, com uma continuação confirmada e uma praquela que já está filmada, porém, poucas informações foram divulgadas. Resta saber se os diretores vão se manter fiéis aos próprios valores, independente do orçamento que certamente será maior. Talento para fazer terror de qualidade e fugindo do óbvio, eles têm.

Nota: 8,0

Confiram o trailer de “Fale Comigo:

By Don

Crítico, Nerd, Gamer que sabe que a verdade está lá fora. Viciado em séries, cinema e cultura pop em geral. Diretor de dois curtas metragens mas que hoje prefere atuar nos bastidores. Sonha em um dia visitar Hogwarts e o Condado e deseja que a força esteja sempre com você.

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