Esse é um filme que todo estudante de cinema deveria assistir.

Nos anos 90, graças aos programas dominicais, o axé atravessou as fronteiras da Bahia e virou uma grande febre em todo o Brasil.

Até que, em 1998, um filme embarcaria no auge daquele estilo musical para retratar a mais famosa dançarina da época, Carla Perez.

Cinderela Baiana tem a proposta de nos mostrar, na figura de Carla, a trajetória ficcional de uma menina humilde até o estrelato.

O filme inicia com um tom sério e sofrido, nos apresentando a infância de uma família pobre, e os percalços que enfrentam para se manter. A mãe, uma mulher batalhadora, não mede esforços para cuidar de sua filha. Assim como o pai, que luta como pode para crescer na vida profissional e sustentar dignamente sua família.

A premissa não é ruim, e já a vimos em diversos filmes e livros. Porém, o problema está na construção da narrativa. A mãe, pouco tem tempo de desenvolvimento, o que a torna um personagem unilateral e sem real interferência na trama. Sua morte não impacta os eventos seguintes, que aconteceriam com ou sem sua existência. Ela sequer é lembrada durante o filme, apenas no final em uma visão de Carla, e que pouco soma ao que a protagonista se tornou.

Já o pai, não transmite qualquer empatia ao espectador, visto a atuação muito amadora do ator que o interpreta. Seu arco é conduzido sem construção alguma, em cenas jogadas no meio do filme, e que pouco cativam o espectador.

Em relação à filha, Carla, trata-se de uma criança que não interage, possuindo poucas falas e contracenando apenas com sua mãe. Além disso, a presença da menina em todas as cenas se resume a dançar (sem música), seja em momentos dramáticos, de transição, ou de construção de enredo. Carla apenas dança, enquanto os outros personagens movem a trama. Não atribuo esse problema à atriz mirim, mas sim à direção do filme, que tenta, a todo custo, transmitir que a menina nasceu para dançar. Essa mensagem poderia ter sido passada com mais sutileza e de forma orgânica, mas infelizmente a direção falha muito nesse ponto, deixando a personagem totalmente fora de tom.

Em uma elipse de tempo confusa, temos a impressão de que se passaram pelo menos dez anos, já que Carla aparece adulta, mas um diálogo nos esclarece que seu pai trabalha há apenas três anos no emprego que conseguiu quando a filha era uma criança de, no máximo, nove anos. Faltou cuidado em dizer quanto tempo de fato se passou, pois pareceu que essa transição foi apenas para justificar que Carla pudesse enfim ser interpretada pela famosa dançarina de mesmo nome.

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Durante o segundo ato, o filme insiste em passar a mesma mensagem por diversas cenas que não conduzem a trama. Em quase todas elas, são exibidas pessoas dançando, sejam em aulas, eventos, e até aleatoriamente nas ruas da Bahia. Isso cansa o espectador, mas não só isso. Na intenção de transmitir a cultura baiana, o filme estereotipa absurdamente a cultura local. Chega a ser pejorativa a forma como Cinderela Baiana introduz esse aspecto da Bahia ao espectador. Há cenas que não movem a história e existem apenas para contextualizar o público ao lugar onde ele se passa, e não ao filme. O grande problema é que a obra tenta usar de uma história fraca só para mostrar a Bahia ao mundo, quando o ideal seria o oposto, utilizar da forte cultura baiana para enriquecer sua trama e mostrá-la ao mundo.

A escalação de atores é um dos pontos mais baixos do filme. Carla, a protagonista, não transmite nenhum carisma, visto que a dançarina obviamente não foi preparada para interpretar a si mesma. Os demais atores e atrizes também deixam muito a desejar. A maioria beira o amadorismo, tornando a trama ainda mais sem vida, e até cômica em momentos em que não deveria ser.

Existem apenas três atores que possuem condições mínimas de tirar algo de um filme tão mal dirigido. São eles: Lázaro Ramos, Perry Salles e Lucci Ferreira.

Lazaro é um ator bastante conhecido, e apesar de Cinderela Baiana ser um de seus primeiros trabalhos no cinema, é notável que há um potencial no trabalho dele, mesmo que ainda muito cru para a pouca experiência do ator na época. Lucci tem uma atuação quase amadora, mas nota-se que o ator se esforçou bastante, e até prosperou na carreira, se tornando um artista de novelas consagrado hoje em dia. Já Perry Salles, o ator com maior bagagem no filme, interpreta um antagonista canastrão e extremamente caricato. Para o caso dele, não coloco na conta do ator, mas sim da direção, que queria um personagem naquele tom esdrúxulo e pouco fiel a um ser humano.

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Ainda há inúmeros personagens que não auxiliam no avanço da protagonista, e nem mesmo da trama. Vale ressaltar que Alexandre Pires participa do filme sem qualquer conexão com a história principal, e ainda consegue ser o fator decisivo para a suposta virada de Carla no final.

Sobre o desfecho do filme, há uma tentativa de mostrar que o sucesso subiu à cabeça de Carla, mas que ela foi íntegra o bastante para reconhecer isso e voltar às suas origens. Contudo, a montagem, edição e direção não ajudaram a passar essa mensagem de um jeito convincente. Eventos aleatórios e desconexos não constroem essa virada para a personagem. A impressão que fica, é que ela não teve qualquer desenvolvimento ou crescimento. Por causa desse fator, a personalidade de Carla se alterna conforme a cena pede, sem qualquer explicação.

O momento final do filme traz o mesmo problema. Em uma fala altruísta, que nada tem a ver com o que foi apresentado durante todo o filme, Carla encerra dizendo que campanhas demagogas nos impedem de ver o verdadeiro problema do mundo, que são crianças passando fome e sem estudos. Só que, logo em seguida, a dançarina encerra a cena em uma performance completamente aleatória, ao som de “pau que nasce torto, nunca se endireita”, e tudo se torna uma grande alegoria escrachada, como uma ode à produção do próprio filme, e não à história, muito menos à mensagem.

Em conclusão, Cinderela Baiana tem sérios problemas, e que não são relacionados apenas ao baixo orçamento. Caso o filme tivesse uma mensagem mais clara e definida, assim como uma construção de enredo coesa e até a montagem coerente, poderia contar exatamente a mesma história, mas sem ser lembrado até hoje como uma catástrofe do cinema nacional.

NOTA = 1/10

By T. Benedicto

Desde criança, é amante de grandes narrativas, tanto literárias quanto cinematográficas. Por isso, usou de todas as suas referências para criar sua própria ficção. Lançou o primeiro livro de sua saga de distopia em 2023, e busca consolidar sua carreira como escritor.

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