Filmes de super-heróis em pleno 2023 andam provocando um certo cansaço na audiência. A fórmula, que já foi garantia de sucesso nas bilheterias, anda saturada. Por isso, a chegada de um novo personagem, desconhecido de grande parte do público, num universo já cravado como extinto (por mais que o novo CEO James Gunn tenha dado declarações que ele está nos planos para sua nova DC nos cinemas) veio como mais um lançamento protocolar, com exceção da repercussão no Brasil pela presença da atriz Bruna Marquezine“Besouro Azul” (Blue Beetle, 2023), infelizmente, não faz muito para inovar nesse quesito. Mas felizmente, tem um charme especial que o diferencia dos demais longas do gênero.

A trama apresenta o mexicano Jaime Reyes (Xolo Maridueña) que, recém-formado, volta para casa cheio de aspirações para o futuro. Em meio a uma busca por emprego, o destino o surpreende ao colocar em seu caminho uma antiga relíquia de biotecnologia alienígena que lhe dá uma armadura superpoderosa. O problema é que o item é de grande interesse da empresária Victoria Kord (Susan Sarandon), que une forças com Carapax (Raoul Max Trujillo) para recuperá-lo.

Com direção de Angel Manuel Soto (“La Granja”, 2015), o longa tem todos os clichês de uma típica história de origem: jovem aprendendo a lidar com os poderes e as responsabilidades que eles trazem, painel estiloso com uma voz de inteligência artificial, interesse romântico que parece distante de ser conquistado, vilão que é uma “sombra” do herói com habilidades quase idênticas. Todo o começo de descoberta causando destruição pela cidade que gera piadinhas ao invés de consequências, está lá.

O roteiro de Gareth Dunnet-Alcocer (“Miss Bala”, 2019) usa e abusa das conveniências, como segurança nula numa área restrita num prédio de uma megacorporação, mocinho no lugar exato em que recebe o artefato que mudará a sua vida, membros da família com habilidades de guerrilha sob a desculpa que possuem algum passado secreto, diálogos que se repetem sobre a vida difícil como motivação para superar as adversidades, personagens que mudam de atitude de maneira repentina. Se o espectador for julgar por esse viés, provavelmente vai sentir incômodo, pois ineditismo passa longe.

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As cenas de ação seguem um manual básico, com o atrativo de criação de diferentes armas, mas fugindo da letalidade para não manchar a personalidade do jovem de bom coração (e claro, não subir a censura). Não são inventivas, porém, a montagem permite a compreensão do que ocorre em cada plano, sem apelar para cortes em frações de segundo. E em tempos de crise no setor de efeitos especiais (aquilo visto em “The Flash” foi algo criminoso…), o CGI não faz feio, mesmo que muitas passagens se transformem por completo em bonecos digitais.

Mas o elemento surpresa se encontra na representatividade latina, por mais óbvio que possa parecer. Utilizar referências a “Maria do Bairro” e “Chapolin”, canção de Selena, torna fácil a apreciação para quem viveu tais elementos, mas não tanto para os americanos que precisariam pesquisar algo que foge do nicho e não são adeptos de ler legendas. Muitos trechos são falados em castelhano e com expressões típicas, algo incomum para uma produção de U$ 104 milhões sob a batuta de um estúdio gigante como a Warner Bros.

Por mais que abrace os estereótipos, o excesso se torna um fator positivo pois a narrativa não se leva à sério. O diretor Manuel Soto parece ter consciência de que um personagem do segundo escalão não tinha como ser trabalhado com grandiosidade e confere grande espaço para a família que esbanja simpatia com o estilo acolhedor além da conta, sempre unida apesar dos gritos e implicâncias. Todos são tratados como arquétipos, como o tio Rudy (vivido pelo comediante George Lopez), o alívio cômico exagerado até no visual, mas principalmente a avó Nana (vivida pela ótima Adriana Barraza), que passam longe do mundo real, se assumindo como uma galhofa que, neste caso, funciona.

O protagonista Xolo Maridueña (o Miguel da série “Cobra Kai”) é puro carisma, convencendo no papel do bom rapaz desajeitado querido por todos, por mais que o perfil seja semelhante à versão de Peter Parker de Tom Holland. Pachequismos à parte, Bruna Marquezine surpreende em sua estreia numa grande produção internacional, conferindo camadas dramáticas a uma personagem que poderia perfeitamente cair no superficial, além de mostrar um domínio da língua inglesa que beira à perfeição. A dupla imprime a ótima química que demonstra ter na vida real também na frente das câmeras. Por outro lado, a veterana Susan Sarandon decepciona ao encarnar uma vilã unidimensional e no modo automático.

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Essa essência é beneficiada pelo design de produção com uma estética que utiliza de tons de neon, paleta azul que representa os poderes do escaravelho intercalando com o vermelho do vilão perto do clímax, além da eficiente trilha-sonora de Bobby Krlic (de “Midsommar: O Mal Não Espera a Noite”, 2019) que utiliza de sintetizadores sem apelar para temas triunfais, conferindo um ar de produção oitentista, condizente com a pegada adolescente e nostálgica que a série “Stranger Things” voltou a tornar moda.

“Besouro Azul” pode deixar a desejar para quem espera inovação para os longas-metragens de heróis, caindo no lugar comum justamente em sua vertente principal. Mas em meio a tantas produções semelhantes, pode agradar pela falta de compromisso com a seriedade, uma “Sessão da Tarde” com um toque latino que demorou anos para ser visto com protagonismo num filme do gênero e, por isso, veio de maneira nada discreta. Isso tem muito valor.

Confiram o trailer de “Besouro Azul”:

By Don

Crítico, Nerd, Gamer que sabe que a verdade está lá fora. Viciado em séries, cinema e cultura pop em geral. Diretor de dois curtas metragens mas que hoje prefere atuar nos bastidores. Sonha em um dia visitar Hogwarts e o Condado e deseja que a força esteja sempre com você.

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