Crônica de uma relação passageira não é um filme “de grandes emoções”. Você não vai viver uma montanha-russa emocional enquanto assiste.

Estreou na terça-feira (17/12) no Brasil, o longa-metragem Crônica de Uma Relação Passageira (2022). Dirigido e roteirizado por Emmanuel Mouret, o filme é uma comédia dramática protagonizada por Sandrine Kiberlain e Vincent Macaigne.

Sinopse:

Durante uma festa, Charlotte, uma mãe solteira, conhece Simon, um homem casado. Este novo casal concorda em se ver apenas por diversão, sem vivenciar nada além. Porém, essa relação sem futuro fica perturbada quando novos sentimentos aparecem.

Crônica de uma relação passageira é, acima de tudo, um filme sobre o que acontece quando as pessoas ignoram conversas difíceis porque acreditam que são estas conversas que irão dificultar tudo. É sobre todos os danos que somos capazes de cometer enquanto tentamos evitá-los.

Filmes franceses tem um ótimo timing humorístico. É um humor sutil, que te pega desprevenido. É feito de um jeito que, ao mesmo tempo que surpreende, não faz o filme perder o tom.

É a vida acontecendo; as piadas que fazemos em meio às pequenas desgraças.

É interessante acompanhar como dois personagens tão diferentes podem ter tanta química já nos primeiros minutos. Apesar da aura de estranheza que cerca a interação dos dois em alguns momentos, é uma estranheza um pouco cativante. E essa estranheza, que é meio inadequação social e meio constrangedora, lembra um pouco The Office.

Os diálogos de filmes franceses são muito cheios de vida. E este não é diferente. Embora frequentemente existenciais ou com conotação existencial subentendida, nunca é gratuito ou forjado para forçar metáforas e alegorias sobre o enredo principal. São apenas debates humanos, inerentes à vida.
É como assistir pessoas reais existindo.

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Charlotte e Simon são personagens maiores do que o enredo do filme. Você sente que eles são universos maiores do que a história. As conversas que eles tem, embora úteis para a caracterização deles, para entender quem são e nos conectarmos, não são conversas feitas para servir ao roteiro.

Existem filmes em que você consegue ver as intenções dos roteiristas por trás de cada cena como se lesse o próprio roteiro enquanto assiste. Você vê como o jogo de câmera e as ações dizem exatamente o que você deve pensar e sentir em cada cena, como engrenagens girando para movimentar uma máquina.

Este longa não é assim. Longe de dizer que a narrativa é jogada e as partes do roteiro não se conectam, pelo contrário. Enquanto assistia, não consegui deixar de pensar em um termo que explica muitíssimo bem a sensação: narrativa fatia de vida (tradução livre do inglês “Slice of life“).

Neste tipo de obra, acompanhamos o personagem em eventos cotidianos da sua vida, e embora não aconteçam muitos conflitos, ainda somos atraídos pela mente e mundo interior deste personagem, Uma obra conhecida por isso é “Madame Bovary”, de Flaubert.

E mesmo quando Simon verbaliza o contraste da personalidade dos dois, na cena em que os dois protagonistas e a coadjuvante sentam no sofá, não é no sentido de explicar para audiência didaticamente quem são os dois. É apenas uma característica (já estabelecida) de Simon de analisar todas as coisas o tempo todo, e tagarelar quando está desconfortável.

Crônica de uma relação passageira não é um filme “de grandes emoções”. Você não vai viver uma montanha-russa emocional enquanto assiste.

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Recentemente me deparei pela primeira vez com o termo “atuação de Oscar”. Aquelas atuações que buscam mostrar todo o alcance de interpretação de um ator, com muitas cenas de grito, choro e veias saltando; em que você pensa “olha, o (nome do ator) está chorando/gritando” e por aí vai, ao invés de enxergar o personagem vivendo aquilo. Nós, como audiência, mal temos tempo de nos recuperar da tensão de uma cena antes de sermos lançados na próxima, a tal ponto que a jornada se torna cansativa.

Este filme é o completo oposto. As atuações são sutis mas cada pequeno detalhe fala muito. As variações de emoção não são muito gritantes, mas você se importa com os personagens e vai sentindo as emoções um pouco como eles próprios: nas entrelinhas, de um jeito mais contido.

O longa é tranquilo e provoca reflexões, sem ser muito pretensioso. É uma narrativa lenta, que é carregada muito mais pelos personagens do que pelo enredo. Quem gostou de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004), tem muitas chances de gostar deste.

Embora eu não queira dar exemplos para não correr o risco de entregar spoilers, não posso deixar de comentar a quantidade de falas que dão ótimas citações. Elas ficarão em sua cabeça por dias.

Nota: 6.4

By Keith Ives

Uma enciclopédia humana de comédias românticas. Tenho gosto musical duvidoso e gosto de fingir que estou em um talk show enquanto lavo a louça. Quando não estou assistindo a filmes, estou fazendo miniaturas deles.

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