Quando uma série é tão lenta que te lança em uma ressaca cinematográfica

Como uma série com apenas 6 episódios pode ter um ritmo tão esquisito, que faz parecer que o roteiro não anda, mesmo com boas reviravoltas?

O plano original era fazer uma crítica a cada episódio, depois uma crítica a cada dois episódios… e por fim, venho fazer um apanhado do que aconteceu na temporada inteira (episódios 2 ao 6, você pode ler sobre o primeiro aqui), porque os mesmos problemas acontecem até o final.

É claro que, para o enredo avançar, especialmente quando a protagonista é só uma adolescente querendo investigar um caso sem acesso a arquivos policiais, a sua personagem precisa ser um tanto teimosa e egoísta, caso contrário ela desistiria e não teria série.

Mas outras produções construíram bons protagonistas egoístas que conduzem investigações e passam por cima de quem for para solucionar casos, e nós como audiência, amamos odiá-los (Sherlock, Dr. House, até). É possível até mesmo fazer um personagem petulante e meio insuportável ser querido, como o Naruto.

Mesmo que viva cometendo erros inacreditáveis e seja cansativo de conviver, seus valores estão acima de qualquer coisa e sua determinação cega e inesgotável vem do amor pelos amigos e da necessidade de ser respeitado. Essas características redimem sua teimosia e petulância.

Quando você cria um protagonista que faz todas as piores e mais estúpidas escolhas para levar o enredo para a frente, e é teimoso e egoísta; mas que não tem valores tão bem enraizados assim (já que a série quer nos convencer que ela se importa com justiça, mas ela só quer levar a investigação a cabo para limpar a própria consciência de possivelmente ter contribuído para o desaparecimento da garota sem saber) o resultado é uma série que se arrasta e que, a cada episódio, dá a impressão que vai engrenar, mas volta ao estado morno nas cenas seguintes.

Se não fosse para escrever sobre, acredito que não teria ido até o final.

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O roteiro esgota muito os recursos de reviravolta e suspeitos falsos em cada ponto do enredo, e é tão exaustivo que chega um ponto em que você fica anestesiado. Darei um exemplo com spoiler abaixo, caso não tenha visto a série ainda, pule para o parágrafo seguinte.

ALERTA DE SPOILER:

Quando Pip recebe um novo bilhete escrito “se quiser vê-lo de novo, exclua o vídeo”, primeiro pensamos que é Ravi, que passou a noite na casa dela. Ela fica tensa, mas por fim Ravi atende o telefone e diz que está bem. Depois, o roteiro nos leva a pensar no irmão de Pip, que está dando uma festa de aniversário. Passamos minutos de tela apreensivos, acompanhando vários takes de Pip procurando o irmão pela casa, mas por fim, o garoto aparece magicamente. Quando tudo parece ter sido um alarme falso, o cachorro é que havia sido raptado.

Em um enredo de investigação, a ideia é ter suspeitos que parecem claramente os culpados e ir descobrindo que eles não são os verdadeiros responsáveis pelo crime. Mas esse recurso já é usado no macro da história, se você o repete em cada mínimo ponto de roteiro ao longo dos episódios, perde o efeito da surpresa e, além disso, você fica meio apático até pelos personagens que gosta.

FIM DO SPOILER:

Conclusão:

Se você conseguir superar o caráter dúbio e falta de valores da protagonista, o enredo tem bons momentos e algumas vezes é impossível terminar um episódio e não clicar no próximo (mesmo que durante os episódios você tenha vontade de parar de assistir algumas vezes). Os demais personagens são envolventes e todos são mais profundos que a Pip (até o desprezível Max); o desenvolvimento deles te distrai do fato de que a protagonista é a que menos evolui.

É importante salientar que nem sempre “evolução” é para melhor, e às vezes não significa uma redenção de defeito. Evoluir, aqui, é passar por um arco de, ao menos, refletir suas atitudes e chegar ao final um pouco diferente do que quando começou. Muitas atitudes péssimas da protagonista não geram consequências a ela (com exceção do episódio da festa de aniversário do irmão). E mesmo quando ela parece perceber que estava errada, tudo fica por isso mesmo porque as pessoas com quem ela agiu mal se mostraram “vilãs”, então estava tudo bem.

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Embora adore premissas de investigação e saiba que nesse tipo de história o foco não está nos personagens em si, sou muito cativada por enredos que trabalham bem com as duas coisas e os personagens levam a história para a frente. Em uma narrativa centrada em uma adolescente que está conhecendo “o mundo real” pela primeira vez depois de viver uma vida pacata em sua cidadezinha, eu imaginaria que o arco dela seria trabalhado de um jeito melhor.

É difícil fazer algo novo no gênero sem apelar para um exibicionismo criminal, em que a violência vira só um artifício para chocar a audiência e mantê-la interessada. Nesse sentido, a série é bem competente e nem mesmo os desdobramentos mais surpreendentes parecem gratuitos.

O roteiro engasga em vários momentos, mas se recupera. No geral, a série é bem mais interessante para se assistir almoçando ou fazendo alguma outra atividade junto.

A segunda temporada já foi confirmada pela Netflix. O que será que aguarda Pip e Ravi (que desistiu do seu desejo de ir embora depois de se sentir acorrentado à cidade por 5 longos anos, só para ficar e ajudar Pip no desejo dela de caçar justiça contra outras pessoas ruins na cidade)?

By Keith Ives

Uma enciclopédia humana de comédias românticas. Tenho gosto musical duvidoso e gosto de fingir que estou em um talk show enquanto lavo a louça. Quando não estou assistindo a filmes, estou fazendo miniaturas deles.

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