Pôster do filme A Favorita do Rei, de 2023

Que tipo de vida eu gostaria de viver? Uma cheia de curiosidade. Uma vida onde eu teria tempo de viver. Comer, escrever, beber, ler. Pessoas como eu nunca tem tempo para nada.

Esta é a fala que, apesar de não ser a primeira do filme, abre caminho para a vida e mente vibrante e singular de Jeanne du Barry.

O filme chega hoje 28 de novembro, aos cinemas brasileiros.

A Favorita do Rei (Jeanne du Barry, no título original) é um filme francês de drama histórico de 2023 dirigido, roteirizado e estrelado por Maïwenn, que contracena com Johnny Depp. O filme narra a vida da vivaz Jeanne, que com inteligência e gaiatice, foi de uma simples camponesa a condessa e amante de um dos reis mais amados da França, Luis XV.

Sinopse:

Jeanne, uma jovem trabalhadora faminta por cultura e prazer, usa sua inteligência e encanto para subir os degraus da escada social um por um. Ela se torna a favorita do rei Luis XV, que, sem saber de sua condição de cortesã, recupera através dela seu apetite pela vida. Eles se apaixonam perdidamente e, contra toda a tradição e etiqueta, Jeanne se muda para Versalhes, onde sua chegada choca a corte.

Créditos: Stephanie Branchu

Os figurinos e cenários são de tirar o fôlego, assim como a fotografia. Vale comentar o próprio pôster do filme, em que Jeanne está desfocada e o Rei Luís, que está mais ao fundo na imagem, está mais nítido. É curioso notar essa escolha, já que o centro do filme (e da vida de Luis) é justamente Jeanne. Mas é inteligente: no pôster, vemos o assombro e admiração nos olhos brilhantes do Rei Luís direcionados a Jeanne, cujo rosto não podemos ver.

É ainda mais interessante quando você tem o contexto histórico e sabe que, assim como Maria Antonieta, Jeanne du Barry nunca foi muito bem representada na mídia e ficou eternizada como uma mulher vulgar, provocativa e um pouco frívola. Há muitas figuras que recebem um revisionismo histórico e às vezes são albsolvidos por atos que nunca cometeram realmente. Outros ficam relegados a carregarem este fato pelo resto da História, já que as histórias sempre são contadas por quem vence.

Em A Favorita do Rei, Maïwenn está disposta a mudar isso. Encantada com Jeanne desde sua representação em Maria Antonieta (2006), de Sofia Coppola, a diretora sempre nutriu o desejo de fazer um filme histórico sobre du Barry, embora o projeto tenha enfrentado muitos desafios. Em 2024, o filme chega aos cinemas, sendo o primeiro filme em que Johnny Depp atua após o polêmico caso judicial contra Amber Heard.

A escolha de escalar um ator estadunidense para representar um rei da França em um filme francês é peculiar. Especialmente quando este ator não fala francês. Até mesmo Johnny ficou surpreso com o convite, que ocorreu após a diretora tentar algumas outras escalações com atores franceses – que não deram certo. Apesar da barreira do idioma, a diretora estava muito animada para trabalhar com ele e se surpreendeu com Johnny aceitou o convite.

A atuação de Johnny é muito mais contida e sutil do que normalmente se vê, e foi uma surpresa agradável de assistir. Maïwenn chegou a comparar seu desempenho com os atores de cinema mudo. Assim como vários outros papéis de Depp, o personagem de Luís XV é um pouco excêntrico, com um certo descaso por normas sociais e bom humor, como os personagens do ator são conhecidos por ter. Mas menos desvairado.

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É muito interessante como escolheram retratar os sentimentos de Luís por Jeanne. Porque embora tenha se encantado por Jeanne desde o momento em que a viu, o que vemos desde o início não é uma paixão avassaladora, desvairada. São gestos, toques e – especialmente – olhares cheios de ternura incontestável. Talvez fosse disso que a verdadeira Madame du Barry precisasse. Certamente, na ficção, era disso que a Jeanne Bécu (nome original) precisava.

O contraste é nítido porque, como cortesã dos nobres, o sexo era mostrado em sua crueza. Com Luís, no entanto, o momento é apenas uma alusão. Palavras eram tão desnecessárias que apenas próximo ao fim do longa é que a protagonista verbaliza seus sentimentos, mas todos naquele palácio sabia que era verdade há muito tempo.

É difícil não se apaixonar pela personagem de Jeanne, curiosa, ousada e de mente livre. A fashionista de Versalhes antes mesmo de Maria Antonieta chegar à corte francesa e levar a fama.

Stephanie Branchu / Why Not Productions

Embora o filme faça um bom trabalho em mostrar a singularidade e charme de Jeanne, personagem muito cativante, ele decepciona um pouco e algumas escolhas de roteiro não fazem o menor sentido, especialmente levando em consideração o propósito da diretora em contar a história de Jeanne.

A motivação do filme nem poderia ter raízes políticas, já que o filme se abstém de qualquer aprofundamento no cenário político da época e se limita à vida dentro dos limites do palácio em Versalhes. Se não fosse pela chegada de Zamor, personagem escravizado e oferecido como presente a Jeanne, seria até mesmo difícil de conectar a narrativa ao período histórico.

Talvez essa tenha sido a intenção, já que a própria Jeanne nunca usou muito de sua influência sobre o rei para assuntos políticos, como Madame de Pompadour (a amante oficial anterior) fazia. Mesmo assim, o filme deliberadamente se mantém tão alheio que, quando chega ao fim, você fica se perguntando qual foi o objetivo da narrativa.

O fio narrativo supostamente tem a intenção de mostrar a verdadeira Jeanne, que era doce, compassiva e extremamente inteligente e culta, apesar das origens humildes e dificuldades financeiras ao longo da vida. Tanto a sinopse do filme quanto a primeira afirmação sobre a personagem, feita por um narrador, descrevem Jeanne como uma pessoa mais estrategista, que usa do charme e sedução para escalar as classes sociais, já que está disposta a tudo para sobreviver.

Não é isso que vemos ao decorrer da história, já que acompanhamos a personagem ser comandada primeiro por sua mãe, que a vê como uma moeda de troca, e posteriormente por seu companheiro, Jean, que a tira das garras da mãe para também vê-la como uma moeda de troca. Ela deseja liberdade, mas nem de longe age de acordo com este desejo, já que sempre está seguindo ordens e pressões de terceiros.

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Ela não é uma alpinista social, não está no comando das próprias ações. Mas definitivamente o faz para sobreviver.

As últimas cenas são totalmente anticlímax, e apressam o desfecho da personagem de um jeito decepcionante e meio preguiçoso, utilizando o recurso de narração para contar ao espectador sobre a morte de Jeanne, dando a entender que ocorreu logo após sua última aparição. Não é verdade. Após ser liberada do convento, du Barry viveu mais alguns anos consideráveis ao lado do pagem Zamor, em Louveciennes.

É claro que todo filme tem uma perspectiva, faz um recorte (especialmente os que se propõem a retratar uma pessoa real), mas por que cortar da história justamente os episódios que mais comprovam seu instinto de sobrevivência e gaiatice, descritos na sinopse?

A verdadeira Jeanne teve muitos episódios após sair de Versalhes em que ia de acordo com esta descrição: disposta a tudo para sobreviver. Incluindo até mesmo envolvimento em trambiques, como a história do colar de Maria Antonieta, o triângulo amoroso em Louveciennes e até mesmo o fim da amizade entre ela e Zamor. Então por que estes episódios não foram abordados? Por que a direção nos leva a acompanhar o desenrolar lento e diluído dos dias de Jeanne com o rei, só para apressar a história e terminá-la de um jeito tão abrupto?

Se não é pelo contexto histórico, mas não é totalmente para retratar a história curiosa e singular de Jeanne, por que contar esta história?

Apesar disso, o longa-metragem é competente em mostrar um pouco da rigidez e hipocrisia da corte e realeza, não só no desprezo a Jeanne, como também nos protocolos sociais. Quando Luís XV fica de cama, seu neto, o delfim, está desesperado para vê-lo, mas é impedido, apesar do estado grave do avô. Isso origina as seguintes falas:

“Isso é grotesco!”. “Não, é Versailles“.

Ao fechar as cortinas atrás de si e sair de cena, o rei levava consigo a espontaneidade, e Versailles voltava ao seu antigo regime, tão restritivo e sufocante pelas rígidas normas sociais quanto o espartilho de uma cortesã.

A Favorita do Rei é um filme com personagens intrigantes e apaixonantes, atuações sutis e potentes. E engraçado em vários momentos. Os atores são muito habilidosos em transmitir pensamentos e emoções com microexpressões e, mesmo assim, você sente cada nuance como uma bigorna caindo na cabeça. É um filme que convence, mas que trai a si mesmo.

Só mais um momento, senhor carrasco. Eu amei demais a vida para que fosse tirada de mim assim. Antes de erguer os olhos para o céu uma última vez.”

Nota: 5.4

By Keith Ives

Uma enciclopédia humana de comédias românticas. Tenho gosto musical duvidoso e gosto de fingir que estou em um talk show enquanto lavo a louça. Quando não estou assistindo a filmes, estou fazendo miniaturas deles.

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