Olá!

Deixa eu me apresentar para vocês: meu nome é Clara, sou figurinista e criadora de conteúdo nesse grande mar que é a internet. Como sou apaixonada por arte e cinema desde muito tempo, adiquiri um olhar apurado quando o assunto é visual no cinema. E estudei, pesquisei bastante, é claro.

Com isso hoje eu tenho o CineCor que é um canal onde eu falo sobre cinema de uma perpectiva mais estética, falando sobre fotografia, direção de arte, cores e figurino.

Tem muito filme bom que a gente não sabe exatamente como o diretor fez pra nos manipular e o visual tem um papel muito importante nisso.

“Seven: sete pecados capitais” dirigido por David Fincher (o mesmo de Clube da Luta) é um ótimo exemplo disso.

A história se passa dentro de um período de sete dias em uma chuvosa e sombria cidade. Dois detetives que tem perfis distintos são encarregados de encontrar um serial killer, um tal de John Doe (Zé ninguém), interpretado por Kevin Spacey.

William Somerset é interpretado por Morgan Freeman, um detetive que está deixando seu posto para se aposentar, sendo um grande profissional experiente. Ele será “tutor” de David Mills, que irá substituí-lo, interpretado por Brad Pitt, jovem, impulsivo e vaidoso, que acaba de ser transferido de uma pequena cidade interiorana. David Mills é casado com Tracy Mills, uma professora de escola primária ainda sem emprego vivida por Gwyneth Paltrow.

            Nas primeiras cenas do longa, já podemos analisar detalhes na cenografia e figurino apresentados pela direção de arte, assinada por Gary Wissner, que mostram quem são os personagens que estarão na história, fazendo com que o espectador já tenha pistas do que está por vir.

            Na primeira cena, William Somerset está fazendo seu café da manhã de forma organizada e calma. A cozinha está com todos os objetos em seus devidos lugares, em tons frios de branco, azul e marrom, o que pode mostrar conforto, organização, tradicionalismo, frieza, observação e bastante cansaço. Ele joga o resto do seu café que acabou de fazer da cafeteira, pois gosta de tudo perfeito e não tomaria café requentado.

            Em primeiro plano, vemos a silhueta de uma pequena escultura de um elefante com a costas para a porta e com a tromba para cima, o que, de acordo com culturas asiáticas, traz boa sorte, prosperidade e proteção para a casa. Além disso, de acordo com o Feng Shui, o elefante é um símbolo extremamente harmônico pois é um animal majestoso, tranquilo e silencioso, que representa a sabedoria, o que sugere que se trata de um homem supersticioso e intelectual.

            Do lado do elefante, a silhueta do gato egípcio, ou a deusa Bastet, mostra que ele é observador e nada vai escapar do seu olhar, o que reforça o conhecimento cultural que, somado ao xadrez que está também no primeiro plano, mostra paciência e calma. Assim sabemos que Somerset tem um perfil analítico e perfeccionista.

        Um close na mesa onde seus objetos pessoais estão alinhados (abaixo): um lenço branco devidamente dobrado com um pedaço de papel estampado com a ilustração de uma suculenta, planta doméstica e simples, fácil de manter viva sem muita manutenção. O distintivo, representando a profissão do detetive, assim como um canivete branco e ilustrado, que mostra elegância e tradicionalismo, uma caneta que referencia o lado intelectual da personagem e a arma, que está disposta ao lado de objetos tão importantes para ele, evidenciando o que vemos mais a frente em uma cena em que Somerset e Mills contam suas experiências com a arma. Nesta cena ele conta que sempre está armado, mas nunca precisou atirar, ao passo que Mills conta que não somente já atirou, como tirou a vida de um homem que ele nem ao menos lembra o nome.

O figurino é um dos pontos mais importantes para a apresentação do personagem, ele complementa aquilo que não é (e nem deveria ser) dito. Somerset vai ao espelho e se arruma para trabalhar: uma camisa branca (estilo clássico), abotoada de forma impecável.   A cena retrata a habitualidade que o detetive tem em sua rotina, buscando a perfeição até mesmo ao dar nó em sua gravata. A ideia se completa quando a personagem tira um pequeno pêlo de seu paletó que está em cima de sua cama antes de vesti-lo, arrumando os pequenos detalhes para colocar este por baixo de um sobretudo. Somerset usa um relógio, o que mostra responsabilidade e, de cara, um perfil muito diferente de seu companheiro.

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            Mills chega atrasado para seu primeiro dia, evidenciando desorganização. Ele veste uma camisa branca amassada, blazer de couro preto (o que sugere vaidade e gosto pelo poder), em modelagem americana oversized, maior que seu corpo, mostrando que ainda é um homem pequeno para seus gostos grandes. Além, é claro,  de mostrar pouca elegância, um gosto bem menos sofisticado.

            As gravatas de Mills são importantes para definir o momento que o personagem vive, pois em sua primeira cena, sua gravata espalhafatosa com estampas de cesta de basquete,  pode sugerir uma certa preferência por coisas e momentos extraordinários mesmo ele não se encaixando nesta grandeza, além de uma possível visão de competição e juventude inexperiente. Em outro momento, após o primeiro assassinato, que alude ao pecado da gula, quando ele e Somerset estão ainda no escuro e sem saber o que fazer, sua gravata é vermelha, com peixes nadando em mar de sangue. Em outro momento, quando Somerset ensina seus métodos para ele, Mills usa uma gravata igualmente espalhafatosa, com estampas de cachorro, sugerindo que ali ele está aprendendo a repetir o seu mentor, sendo “amestrado”. Por último, na cena em que ele convence Somerset a ir até o final do plano de John Doe, usa uma gravata com um grande gato (a curiosidade matou o gato), já sugerindo o desfecho desta personagem.

A cenografia da casa de Mills só reforça o que o roteiro e figurino já mostraram na primeira cena: desorganizada, cheia de caixas, com objetos sem vida como um porta retrato sem foto, mostrando pouco cuidado com os detalhes, de forma conturbada e confusa. O casal tem uma dupla de cães enormes (vale lembrar que estes não fizeram mal a John Doe quando este foi matar Tracy), evidenciando que a imagem agressiva não promove a proteção. Estes ficam dentro do pequeno apartamento, reforçando a ideia de Mills ter um grande ego e, apesar da casa ser pequena, fazer barulho e tremer, ele e sua mulher tem poucas cenas de fato juntos, sempre separados por uma coluna, parede ou porta. É um casal distante, em que a mulher é quase esquecida pelo marido. Ela deixou a vida para viver pela vida dele, que nem ao menos demonstra apreço ao receber suas ligações.

Em sua primeira cena, Tracy está deitada nos braços de Mills. Assim que ele se levanta da cama, olha no espelho da penteadeira à frente e toma o café do dia anterior, diferente do que vimos com Somerset. O detalhe está ao lado do reflexo da cabeça de Tracy em que há uma ilustração colada no espelho: Medusa, a besta mitológica decapitada por Perseu na mitologia Grega.

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            Além deste pequeno detalhe, a direção de arte e de fotografia muito sabiamente, deixam o tempo todo pistas sobre o futuro de Tracy: além de aparecer constantemente dentro de closes fechados como um quadrado (ou uma caixa), está sempre com algo “cortando”seu pescoço, como uma linha visual no fundo com mesas, balcões, sofás e meias paredes, sendo uma resposta visual para a icônica pergunta “What’s in the box?” (“O que tem na caixa?”).

É incrível quando reparamos esses detalhes ao reassistir a obra e, sabendo do desfecho, tomamos consciência de um outro nível de storytelling: o visual. Não somente os cortes de câmeras, mas também elementos como figurino e cores nos auxiliam a montar toda a imagem da trama, talvez para que possamos adentrar à perspectiva do assassino, que se vê como agente do destino, como profeta, como realizador do que era para ser. Todas as pistas visuais nos inclinam para o desfecho que, apesar de chocante, é perfeitamente lógico para a construção feita até ele.

            Sem a construção dos personagens através dos periféricos de sua personalidade (cenografia, cartelas de cor, acessórios, figurinos, e personalidades), o desfecho poderia parecer fantasioso em outras perspectivas, mas isso felizmente não ocorreu. Seven é sem dúvidas um filme para ser assistido mais de uma vez.

Valeu!

Disponivel: HBOMax / 2h 7min / Mistério,Drama, Suspense, Crime

Direção: David Fincher

Roteiro: Andrew Kevin Walker

Elenco: Brad Pitt, Morgan Freeman e Gwyneth Paltrow

Título original: Seven

By Don

Crítico, Nerd, Gamer que sabe que a verdade está lá fora. Viciado em séries, cinema e cultura pop em geral. Diretor de dois curtas metragens mas que hoje prefere atuar nos bastidores. Sonha em um dia visitar Hogwarts e o Condado e deseja que a força esteja sempre com você.

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